A QUESTÃO DA ADESÃO OU NÃO

Pelo que se pode verificar analisando as diversas decisões judiciais, um ponto fundamental é a adesão ou não à entidade. No caso do morador que tenha aderido de forma inequívoca, tipo assinando um documento nesse sentido e com isso aceitando as normas e assumindo o compromisso de contribuir mensalmente, o mais provável é que tenha de pagar os valores devidos, pelo menos até a data da manifestação de sua saída da associação.

Por mais que prove serem valores oriundos uma atividade completamente ilegal, considera-se que “o acertado entre as partes torna-se lei”. Mas o desfecho da questão vai depender, como sempre, da célebre “cabeça de juiz”, pois este pode perfeitamente entender que a suspensão dos pagamentos, mesmo que tenha feito alguns ou não, seja um ato implícito de recusa em continuar integrando a associação, principalmente se isto ficar claro deste o início do processo.

O morador só terá maior segurança de não sofrer cobranças indevidas após a manifestação expressa do desejo de não mais fazer parte. Isto pode ser feito via carta registrada com Aviso de Recebimento ou ainda, de forma mais veemente, através de uma Notificação Extrajudicial requerida em cartório. Isso é recomendável mesmo que nunca tenha manifestado seu desejo de aderir, prevenindo-se de futuros problemas.

Mesmo quando o morador nunca aderiu formalmente, mas pagou algumas mensalidades antes de deixar de fazê-lo, isto não deveria significar perante a Justiça de que o morador “aderiu espontaneamente” à entidade e, de forma inevitável, teria de pagar até que manifeste sua decisão de não mais integrar a associação. Poderia alegar, por exemplo, ter aderido apenas por se sentir pressionado ou constrangido pelas circunstâncias, ou ainda por “acreditar que haveria respaldo legal” nas cobranças, o que já está provado que não há.

HONESTIDADE X ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Nesse ponto, entra o aspecto da honestidade ou não do próprio morador, pois também é comum casos de pessoas que se beneficiam (diretamente e em igualdade de condições com seus vizinhos) de obras e serviços proporcionados por associações bem-intencionadas e atuantes. Querer se aproveitar da fragilidade legal das mesmas para se recusar ao pagamento, neste caso, pode caracterizar “enriquecimento ilícito”, ou o popular “calote”. Está claro que, para este exemplo, a maioria das decisões judiciais acabam em condenações ao pagamento.

O fato é que não existe uniformidade nas decisões judiciais nem em ações parecidas, muito menos entre as que apresentam características muito específicas. Influi bastante a distinção entre agrupamento residencial do tipo aberto ou fechado. Quando existe portaria(s) e via(s) de acesso único e/ou geral, ainda mais se o loteamento já começou assim, fica difícil um morador interno alegar que não pode ser obrigado a pagar taxas, até por uma “questão moral”. Mesmo que a associação não tenha amparo legal para efetuar as cobranças…

Diferente do morador que, embora “faça parte” da mesma área, quadra ou chácara parcelada (mesmo que irregularmente, coisa comum em Brasília), tem seu lote virado para fora do “condomínio”, não compartilha as chamadas “áreas comuns” e por isso não se beneficia em igualdade de condições (ou em nada) em comparação aos seus “vizinhos”. Nessa situação, fica difícil a associação alegar que o proprietário deve arcar com sua parte no rateio de despesas, revertendo a “questão moral” e do “enriquecimento ilícito” contra a entidade.

O mesmo deveria valer, no todo ou pelo menos em parte, para proprietários de casas e lotes vazios. Embora para estes “ausentes” seja evidente o pequeno ou nulo usufruto das “benfeitorias” e “serviços” prestados pela associação, quase sempre isso não é levado em conta pelos dirigentes, movidos pela “moral torta” ou pela ganância. A justificativa de “valorização do imóvel” em função das melhorias promovidas no local talvez sirva apenas para especuladores, não para quem pretende possuir um imóvel apenas para uso familiar.

Aliás, o Direito do Consumidor protege o cidadão de pagar aquilo que não pede, não solicita ou não compra. Estando evidente que associação de moradores não é condomínio e é ilegal agir como tal, tudo que resta nos exemplos acima, é uma simples relação entre prestador de serviços e usuário. Pode caber tanto ressarcimento (em dobro) daquilo que pagou e não recebeu (se for o caso), ou ainda uma ação de Obrigação de Fazer para que seja beneficiado em igualdade de condições e até Reparação de Danos Morais, se for o caso.

EXEMPLOS PRÁTICOS

No exemplo a seguir, tudo indica que existem provas nos autos de que o morador já adquiriu seu lote consciente de que deveria contribuir com sua cota-parte na associação de moradores (Jurisprudência do STJ):

AgRg no REsp 976740 / RJ – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – Processo 2007/0188278-0 (http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=condominio+irregular+e+cobran%E7a+de+condominio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=2).

4. Consignado pelo acórdão recorrido, com base no acervo probatório dos autos, se cuidar de um condomínio de fato, onde a aquisição do lote já obrigava o comprador pelas despesas da área comum (…)

5. O proprietário de lote deve contribuir para o custeio do condomínio, ainda que ele seja irregular, sob pena de ocorrer o enriquecimento ilícito.” (em vista de supostamente haver provas de sua adesão vinculada, quem sabe documentalmente, à aquisição do lote).

6. Outrossim, as instâncias ordinárias, em momento algum, consignaram a ausência de adesão do recorrente ao condomínio de fato, devendo ser aplicado, na hipótese dos autos, o seguinte precedente: “Não obstante a polêmica em torno da matéria, com jurisprudência oscilante desta Corte (…), a posição mais correta é a que recomenda o exame do caso concreto. Para ensejar a cobrança da cota-parte das despesas comuns, na hipótese de condomínio de fato, mister a comprovação de que os serviços são prestados e o réu deles se beneficia. Na hipótese em apreço, como salientado pelas instâncias ordinárias (fls.233/234), os serviços prestados pela recorrida não foram impugnados em momento algum pela recorrente, que deles sempre se beneficiou. Há ainda o fato evidenciado pela sentença de que ‘a ré ao adquirir o lote obrigou-se com a autora’, ficando sujeita às contribuições estabelecidas pela recorrida. Elidir tais fundamentos, envolveria o exame do conjunto fático-probatório, o que encontra óbice nos enunciados das Súmulas 5 e 7 do STJ” (REsp 302.538/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 18.08.2008).” (grifamos).

Em resumo, fica claro que o morador insatisfeito com sua condição dentro do loteamento, seja por estar voltado para o lado de fora, não compartilhar dos serviços e benfeitorias, não residir no local ou possuir apenas um lote vazio, enfim, deve fundamentalmente sacramentar sua decisão de DEIXAR DE FAZER PARTE DA ASSOCIAÇÃO (mesmo que nunca tenha aderido formalmente) e em caso de questão judicial, desde o começo deixar isso evidente.

Outro aspecto definitivo é deixar claro desde o início quais os serviços e benefícios prestados pela entidade em seu caso específico (se pouco ou nada), motivo de sua insatisfação. Nesta situação pode alegar que deveria pagar na proporção das vantagens proporcionadas (pouco ou nada) pela associação. Com isto, pode inclusive propor um acordo e obter descontos, conforme sua situação.

Evidentemente, quem usufrui em igualdade de condições em comparação com seus vizinhos, não resta outra coisa a não ser pagar, mesmo que a entidade não tenha respaldo legal para cobrar as taxas. Afinal, se um caso deste tipo chegar às mãos do juiz, mesmo com toda legislação contrária aos FALSOS CONDOMÍNIOS, o mais provável é que seja condenado a pagar. E com todas as custas judiciais, honorários, multas etc., ou seja, é melhor pagar e não correr riscos de prejuízos maiores.

Se ainda restar alguma dúvida a respeito, veja mais esta decisão do STJ que demonstra que, mesmo havendo controvérsias nas sentenças a respeito do assunto, no caso do morador ter aderido formalmente (ou até mesmo se não!) à associação e se beneficiar dos serviços proporcionados por esta, em igualdade de condições em comparação com os demais moradores, o mais provável é acabar sendo obrigado a pagar:

AgRg no REsp 490419 / SP – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL -2003/0007665-8 (http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=condominio+irregular+e+cobran%E7a+de+condominio&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=7)

O proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação. Precedentes.

CONCLUSÕES

Portanto, restaria discutir desde o início apenas o aspecto da adesão do morador, se foi formal ou não, se houve comunicado de desfiliação (com base na CF, Art. 5º., inciso XX, provada de forma inequívoca, via carta com A.R. ou Notificação Extrajudicial, preferivelmente) e a questão dos benefícios prestados ou não, se em parte listados de forma clara, justificada e comprovada. Fora isso é tentar apostar na verdadeira “roleta-russa” que é a Justiça brasileira, onde vemos julgamentos diametralmente opostos em casos semelhantes e até iguais!

Dessa forma, poderíamos agregar aqui dezenas de outras sentenças que dizem exatamente o contrário do exposto acima, mostrando que mesmo o morador plenamente servido pela iniciativa da comunidade onde vive, tem boas chances de provar a ilegalidade da associação, sustar as cobranças e até ganhar a causa na Justiça. Mas nossa iniciativa tem como objetivo explícito defender vítimas AUTÊNTICAS dos chamados FALSOS CONDOMÍNIOS, ou pelo menos de abusos cometidos pelos mesmos. Ou seja, não estamos aqui para “passar a mão na cabeça” de CALOTEIRO, pois assim a Justiça entende casos desse tipo.

Muitas vezes os conflitos começam exatamente pela falta de diplomacia, tanto de moradores (alguns do tipo acima definido) como principalmente por parte de dirigentes que acham que “mandam” e os demais tem obrigação apenas de “cumprir” as regras impostas, acreditando que existe algum traço de legalidade em seus estatutos fajutos e juridicamente fraudulentos, conforme já está fartamente demonstrado.

Com esta análise, fica claro que a única alternativa para a sobrevivência desses FALSOS CONDOMÍNIOS, até que sejam enfim substituídos (quem sabe, no futuro) por organizações legalmente constituídas, é o convencimento, apelando para o espírito comunitário, bom-senso e a boa-vizinhança, evitando mais desgastes e prejuízos numa disputa judicial sobre cujo resultado qualquer aposta é arriscada, nesse cenário caótico dos tribunais.